
Não te Deixarei Morrer, David Crockett
Dói-me a cabeça. Hoje foi mais um dia a estudar Psicologia da Educação ( Bandura, Vygostky, Bruner e afins). Vejo a fogueira arder na lareira, a gata a dormir em frente a ela. Paira um silêncio no ar, o meu pai está com febre e a minha mãe está a fazer-lhe companhia. Olho para as fotos que estão por aqui na sala (sim, aquelas fotos que toda a gente tem) e há um imenso vazio que me atinge. Vejo nelas o meu pai com uns 15 kg a mais (O cancro é a proliferação anormal de células. Células essas que existem neste momento no organismo dele e que o atingem de várias formas), permaneço meio triste, meio incrédula e escrevo sem perceber bem porquê. Simplesmente porque cada vez mais constato que a vida dá muitas voltas, que não somos todos imortais e que há pessoas que, por vezes, estamos destinados a ver partir mais cedo que o que esperávamos (como a esperança é a última a morrer, espero mesmo que não passem de meros enganos estas palavras). Lembro-me da incrível rispidez com que ao início respondia ‘ Se fosse a minha mãe eu estava pior.’. Não quero imaginar o que iria sentir o meu pai se me ouvisse dizer isto. Porém, não era mentira nenhuma, era o que sentia e como costumo dizer ‘só retribuímos aquilo que nos dão’ e sem dúvida que aquela resposta era, naquele momento, a minha única retribuição. Já lá vão quase seis meses. Seis meses de desespero, seis meses de incertezas, seis meses de altos e baixos, seis meses de ver uma pessoa alegre, viva e comunicativa tornar-se numa pessoa pensativa, isolada, triste. Quando li sobre o assunto e vi que muitas pessoas não passam do meio ano e depois do diagnóstico dos médicos pensei “Será que é hoje? Será que é amanhã? Será que um dia acordo e já não vais estar cá?”. A cada dia que passa custa mais sorrir e fingir que está tudo bem, a cada dia que passa me ligo mais a ele, a cada dia que passa dói um pouco mais olhar e ver como a vida pode ter um sabor azedo. As incertezas permanecem, mas enquanto não há novas notícias (boas ou más, virão) resta-nos ter esperança e lutar, lutar todos os dias. (E rezar para que as lágrimas por todos derramadas reguem a esperança de uma cura.)
Coisas simples da vida que o são sempre, ao pé de uma pessoa que usa uma máscara. 24 não será mais que um número banal, 'quantos queres' um jogo de criança e Fonfon o nome de uma música. Isso mesmo, coisas simples da vida que me fazem crer que às vezes podemos ser um bocadinho crianças, longe de preocupações, com uma mãe que nos passa a mão nos caracóis e diz 'Tudo fica, tudo passa. Depende de quem passa e de quem quer ficar.' Belo trocadilho. São as coisas simples da vida guardadas numa caixa de sapatos, forrada de papéis de jornal, chamada 'Caixinha das memórias'. É a Marta, aquela que muito poucos compreendem e muito poucos conhecem e sabem com o que realmente de bom contar.